Brasil desperdiça 40% da água tratada
25/11/25

Pxhere
O Brasil desperdiça cerca de seis mil piscinas olímpicas de água tratada por dia, segundo um estudo que acaba de ser publicado pelo Instituto Trata Brasil (ITB). O material destaca o grave problema ambiental, econômico e social causado pela ineficiência no controle das perdas de água, questão que se torna ainda mais urgente diante do avanço das mudanças climáticas, do agravamento das secas e da intensificação de eventos extremos.
Organização da sociedade civil dedicada à universalização do saneamento básico no país, o Trata Brasil, em parceria com a consultoria GO Associados, publica o “Estudo de Perdas de Água 2025 (SINISA, 2023): Desafios na Eficiência do Saneamento Básico no Brasil”, desenvolvido a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA, ano-base 2023).
O levantamento revela que o Brasil desperdiça 40,31% da água tratada antes de ela chegar às torneiras, índice que compromete a segurança hídrica e o abastecimento da população. As perdas nas redes chegam a 5,8 bilhões de m³ por ano — volume suficiente para atender cerca de 50 milhões de pessoas — e escancaram a fragilidade de rios e mananciais em um contexto ambiental cada vez mais crítico.
A pesquisa traz uma análise detalhada das cinco macrorregiões, das 27 Unidades da Federação e dos 100 municípios mais populosos, todos presentes no Ranking do Saneamento 2025. Mesmo com avanços, o Brasil ainda convive com cerca de 34 milhões de pessoas sem acesso à água tratada. A divulgação deste estudo ocorre em sintonia com reflexões importantes sobre a preservação dos recursos hídricos, tema especialmente lembrado no Dia do Rio, celebrado em 24 de novembro.
É necessária maior eficiência no controle de perdas de água. O volume total de água não faturada (consumida sem autorização ou perdida antes de chegar ao consumidor) em 2023 (cerca de 5,8 bilhões de m³) equivale a 6.346 piscinas olímpicas de água tratada ou 21.153.224 caixas d’água[1] para uma família de 5 pessoas desperdiçadas diariamente.
O que é perda de água?
No processo de abastecimento de água, podem ocorrer perdas por vários motivos, como vazamentos, erros de medição e consumos não autorizados. Esses desperdícios trazem impactos negativos ao meio ambiente, à receita e aos custos de produção das empresas, o que deixa mais caro o sistema como um todo, prejudicando, em última instância, todos os usuários.
Então o ideal seria termos zero de perdas de água? Apesar da resposta ser sim, de acordo com a literatura sobre o tema, não ter perdas no sistema é algo inviável por limites econômicos (em determinado ponto, o custo fica superior ao do volume recuperado) e limites técnicos (existe um volume mínimo de perdas dadas as tecnologias atuais de materiais, ferramentas e logística).
No Brasil, a definição de nível aceitável de perdas de água foi definida pela Portaria 490/2021, do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), que indica que para um município contar com níveis excelentes de perdas, deve ter no máximo 25% em perdas na distribuição e 216 L/ligação/dia até 2034.
Impacto das perdas de água no Brasil
Para entender o impacto do controle de perdas, considerando-se somente as perdas físicas (como, por exemplo, os vazamentos), o volume (mais de 3 bilhões de m³) seria suficiente para abastecer aproximadamente 50 milhões de brasileiros em um ano. Esta quantidade não somente equivale a quase um quarto da população do país em 2023, como também está acima do número de habitantes sem acesso ao abastecimento de água nesse ano, cerca de 34 milhões.
Além disso, com esse mesmo volume, seria possível abastecer os 17,2 milhões de brasileiros que vivem em comunidades vulneráveis por quase dois anos. Ao meio ambiente, a redução dessas perdas implicaria a disponibilidade de mais recurso hídrico para a população sem a necessidade de captação de água em novos mananciais.
Com o cenário de mudanças climáticas, os desafios para a disponibilidade hídrica nos mananciais se tornam cada vez mais evidentes. As perdas reais afetam diretamente os custos de produção e a demanda por água. Neste sentido, um elevado nível destas perdas equivale a uma captação e a uma produção superiores ao volume efetivamente demandado, gerando as seguintes ineficiências:
Desequilíbrios na produção de água:
Maior custo dos insumos químicos, energia para bombeamento, entre outros fatores de produção;
Maior custo de manutenção da rede e de equipamentos;
Uso excessivo da capacidade de produção e de distribuição existente; e
Maior custo oriundo da possível utilização de fontes de abastecimento alternativas de menor qualidade ou de difícil acesso.
Desequilíbrios ambientais:
Pressão excessiva sobre as fontes de abastecimento do recurso hídrico, uma vez que se capta mais água do que efetivamente chega à população; e
Maior custo posterior para mitigação dos impactos negativos dessa atividade (externalidades).
Benefícios sociais com a redução de perdas
Ao se admitir não uma eliminação total das perdas físicas, mas uma redução dos atuais 40,31% aos 25% previstos pela Portaria 490/2021, o volume economizado seria da ordem de 1,9 bilhão de m3. Isso equivale ao consumo médio do recurso de aproximadamente 31 milhões de brasileiros em um ano, 92% da quantidade de habitantes sem acesso ao abastecimento de água em 2023.
Perdas nos últimos 5 anos
Indicador mais comumente utilizado para a análise geral de perdas no país, o Índice de Perdas na Distribuição busca estabelecer uma relação entre a água produzida e a água efetivamente consumida nas residências. Considerando os últimos cinco anos, o valor de 2023, de 40,31%, é superior ao de 2019, de 39,24%, valor significativamente superior à meta de 25%.
A situação de perdas no Brasil apresenta significativas diferenças quando se comparam suas diversas macrorregiões. A análise mostra um padrão de maior ineficiência concentrado principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país. Estados como Alagoas (69,86%), Roraima (62,51%), Acre (62,25%) e Pará (58,71%) apresentam níveis de perdas superiores a 55% do volume distribuído, significativamente acima da média nacional (40,31%). Por outro lado, estados das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país, como Goiás (25,68%), Distrito Federal (31,46%), São Paulo (32,66%) e Paraná (33,11%) registram indicadores inferiores a 35%. Neste indicador, merece destaque o estado do Tocantins, com a segunda menor média entre as unidades da federação para este indicador (30,96%).
Cenário Internacional
No cenário internacional, para efeito de comparação do indicador de perdas brasileiro com o de outros países, a fonte utilizada é a International Benchmarking Network for Water and Sanitation Utilities (IBNET)[3]. Para fins de comparação, no caso brasileiro, foi considerado o IAG2013 – Índice de Perdas na Distribuição do SINISA de 2023, no valor de 40,31%.
Observa-se que o Brasil está distante tanto de países desenvolvidos, como de seus pares em desenvolvimento. O país obteve a 86ª posição no ordenamento das 139 nações analisadas, ficando atrás da China de 2012, com 20,54%, da Rússia de 2020, com 26,59%, e da África do Sul de 2017, com 33,73%.
Ganhos econômicos com a redução de perdas de água
O estudo traz análises detalhadas e, entre indicadores e estimativas, há inclusive um cálculo dos potenciais ganhos econômicos ao país pela redução de perdas. A análise revela três cenários: o otimista, o realista e o pessimista. Cada um deles responde à média nacional do nível de perdas a ser alcançada em 2034: 15% (cenário otimista), 25% (cenário realista) e 35% (cenário pessimista).
No Cenário Realista, é possível constatar que existe um potencial de ganhos brutos com a redução de perdas de água de R$ 34,6 bilhões até 2034. Caso sejam considerados os investimentos necessários para a redução de perdas, o benefício líquido gerado pela redução é da ordem de R$ 17,3 bilhões em 10 anos.
“Ainda vemos um progresso tímido nos índices de redução de perdas de água, enquanto milhões de brasileiros continuam sem acesso regular e de qualidade à água potável, fundamental para uma vida digna. Perdemos diariamente mais de 6,3 mil piscinas de água potável, um exemplo alarmante de ineficiência. Além de comprometer o suprimento de água para a população, esse volume perdido provoca impactos ambientais severos, especialmente em um cenário onde o Brasil já sente os crescentes efeitos das mudanças climáticas”, afirma Luana Pretto, Presidente Executiva do Trata Brasil.
