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Cidades do Litoral Norte apresentam saneamento e planejamento urbano precários

26/12/25

Cidades do Litoral Norte apresentam saneamento e planejamento urbano precários

Fábio Tito/ g1

A fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) revelou um cenário alarmante. Em 112 municípios fiscalizados, 42% das praias e rios possuem áreas de “moradia irregular”. No litoral norte paulista, São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba, e Ubatuba aparecem como exemplos claros de um modelo de desenvolvimento que acumula riqueza para poucos e empurra as massas trabalhadoras para áreas de risco ambiental e social.

Essas 4 cidades concentram apenas 0,7% da população do Estado de São Paulo mas receberam 38% de todos os royalties do petróleo distribuídos aos municípios paulistas. Mesmo assim, o déficit habitacional, a falta de saneamento e a exposição ao risco seguem como marca cotidiana da vida do povo pobre e trabalhador.

Moradia irregular e déficit habitacional
Segundo os dados levantados, 42% dos locais vistoriados pelo TCE-SP possuem ocupações irregulares próximas a rios e praias. Além disso, 65,96% dessas ocupações não passaram por regularização fundiária, apesar da existência de legislação específica.

Em São Sebastião, o próprio velho Estado reconhece um déficit habitacional de 4,5 mil moradias, o que representa 14% dos domicílios do município, quase o dobro da média nacional, que é de 8%. Outro levantamento municipal aponta 7,1 mil famílias vivendo em áreas irregulares, muitas delas em encostas sujeitas a deslizamentos, como a região da Vila Sahy, onde ocorreram 56 das 57 mortes registradas durante as chuvas recentes.

Em Ilhabela, o número de pessoas vivendo em assentamentos precários dobrou entre 2010 e 2020, passando de 6 mil para 12 mil moradores. O município possui cerca de 34 mil habitantes, mas conta com um orçamento anual próximo de R$ 1 bilhão, impulsionado principalmente pelos royalties do petróleo.

Caraguatatuba apresenta um déficit habitacional estimado em 4 mil moradias, enquanto Ubatuba, embora não divulgue dados oficiais consolidados, aparece entre os municípios com os piores indicadores de acesso a saneamento básico.

Saneamento precário e contaminação ambiental no litoral norte
A precariedade do saneamento básico é generalizada. Em áreas de moradia irregular (conhecidas popularmente como “favelas”) próximas a praias e rios, mais de um terço não é atendido por coleta de esgoto e 41,67% não recebem tratamento de esgoto. Em 6,25% desses locais, não há sequer coleta de lixo domiciliar, e 43,75% não contam com coleta seletiva.

No litoral norte, os dados mostram que entre 30% e mais de 60% da população de Ubatuba, Ilhabela, São Sebastião e Caraguatatuba não tem acesso à rede de esgotamento sanitário, conforme levantamentos nacionais. Em São Sebastião, cerca de 41% da população vive sem acesso ao serviço.

Nas praias litorâneas fiscalizadas, 36,49% apresentaram pontos visíveis de lançamento de água não tratada no mar e 10,81% registraram presença de animais mortos, indicando poluição grave. Em 52,70% das praias, o esgoto gerado não é destinado a estações de tratamento. Além disso, 72,97% das praias não possuem canal de comunicação com os usuários para denúncias ou reclamações.

Royalties bilionários e prioridades voltadas ao turismo
Em 2024, São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba, e Ubatuba receberam juntas R$ 632,8 milhões em royalties do petróleo. Ilhabela sozinha ficou com R$ 336 milhões, São Sebastião recebeu R$ 145,1 milhões, Caraguatatuba R$ 138,7 milhões, e Ubatuba R$ 13 milhões.

Apesar dessa arrecadação, há municípios do interior com população muito maior e orçamento proporcionalmente menor. Ilhabela, com cerca de 34 mil habitantes, possui orçamento anual de aproximadamente R$ 1 bilhão, enquanto São José dos Campos, com 722 mil moradores, tem orçamento de R$ 3,8 bilhões.

Mesmo com esse volume de recursos, os investimentos em habitação popular e regularização fundiária são reduzidos. Em São Sebastião, por exemplo, obras de revitalização turística custaram R$ 8,5 milhões, valor superior ao orçamento anual da Secretaria Municipal de Habitação e do Fundo de Regularização Fundiária, que somaram juntos cerca de R$ 8,2 milhões.

Um modelo urbano que produz tragédias anunciadas
Os dados do TCE também revelam que apenas 17,86% dos municípios fiscalizados possuem termo de ajuste de conduta em vigor relacionado a saneamento ou a poluição das águas, e 25% desses não cumprem o que foi pactuado. Embora 98,21% afirmem ter plano municipal de saneamento básico, 23% não o cumprem. Além disso, 20,79% das estações de tratamento de esgoto em operação não possuem licença ambiental válida e 15,18% dos municípios têm obras de esgoto paralisadas.

O caso de São Sebastião sintetiza o resultado dessa política. As mortes não são fruto apenas da chuva, os chamados “desastres naturais”, mas de um modelo de desenvolvimento que empurra os pobres para áreas perigosas enquanto o velho Estado privilegia interesses econômicos e turísticos.

Ilhabela, Caraguatatuba, e Ubatuba seguem a mesma lógica. Crescem economicamente, arrecadam milhões, mas mantêm parcelas significativas de sua população sem moradia digna, sem saneamento, e sob risco permanente.

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