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De esgoto a carcaças de carro, despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, esbarra até no crime organizado

31/03/25

De esgoto a carcaças de carro, despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, esbarra até no crime organizado

Maria Isabel Oliveira

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Com um colete salva-vidas, a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo, Natália Resende, redobrou o cuidado ao subir em um pequeno barco num trecho do Rio Tietê, em Guarulhos, na semana passada. Notou o incômodo no rosto de alguns ocupantes da embarcação com o mau cheiro.

— Vai melhorar até 2029. Pode escrever — reagiu.

A promessa, que remete ao prazo de vigência do atual programa de despoluição e ao cronograma para universalização do saneamento básico no estado, foi feita várias vezes antes da secretária da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em 1994, Mário Covas passeou de barco pelo rio com o compromisso de despoluir o Tietê. A gestão de Geraldo Alckmin anunciou, em 2012, que o curso d’água não teria cheiro em três anos. Em 2021, João Doria afirmou que o estado chegaria a 2023 com o Pinheiros, afluente do Tietê e um dos principais rios da capital paulista, “limpo e despoluído”.

— O processo de urbanização foi muito acelerado e sem planejamento a partir do fim do século XIX. A cidade passou a gerar muito esgoto, e os rios não deram conta, morreram. Na década de 1990, a aparição de um jacaré no Tietê fez a população se mobilizar e exigir a despoluição. Cada governo muda o nome do projeto, põe um tempero a mais, mas ele continua. Não é o projeto de uma gestão, é um projeto da sociedade paulista — diz Gustavo Veronesi, coordenador da fundação SOS Mata Atlântica.

O atual programa de despoluição, o IntegraTietê, prevê investimento de R$ 23,5 bilhões até 2029. É um conjunto de ações que inclui coleta de lixo flutuante, retirada de sedimentos submersos para melhorar o fluxo da água (dessassoreamento), expansão do saneamento básico e recuperação da fauna e flora.

No Pinheiros, foram removidos 10.433 toneladas de lixo no primeiro trimestre, volume 13% superior ao retirado nos três primeiros meses de 2024 e capaz de encher mais de 860 caminhões. Os dados representam um recorde para o período, segundo o governo.

Plástico, pneu e armas
O grosso do que boia nos rios da capital paulista são garrafas pet e outras embalagens plásticas. Quando chove, parte do que a população joga nas ruas e que a prefeitura não consegue recolher para dentro da água. Há nove barreiras ao longo dos 25 quilômetros do Pinheiros visitadas diariamente por escavadeiras que recolhem toda a sorte de resíduos.

— A poluição não é só o pneu que alguém joga de cima da ponte, mas também o descarte irregular de lixo nas ruas — explica Camila Viana, presidente da SP Águas, autarquia responsável pelos contratos de limpeza e desassoreamento.

Pneus, colchões, sofás e objetos menos convencionais, como itens eróticos e armas de fogo, são encontrados na limpeza. Quando o GLOBO visitou a operação, na última quarta-feira, havia uma capivara com uma sacola plástica presa ao pescoço. Funcionários de um projeto que cuida dos animais nas margens do Pinheiros foram chamados para socorrê-la. Houve cinco animais atendidos pelo mesmo motivo só naquele dia.

Em Guarulhos, o desassoreamento do Tietê também é dificultados pelo crime organizado, que mantém desmanches clandestinos de veículos em comunidades do extremo Leste paulistano. O governo estima que 150 carcaças de carros estão submersas no rio, o que cria uma barreira ao fluxo da água e leva ao acúmulo de ainda mais lixo. Um funcionário relatou que precisou baixar um drone que sobrevoava o Tietê pelo temor dos criminosos de que as imagens revelassem um cativeiro onde estariam sendo mantidos reféns.

— A gente está fazendo grupos de fiscalização, com municípios, o estado e o policiamento — afirma Natália Resende.

O lixo sólido é a ponta do iceberg. Ainda hoje são lançados milhares de litros de esgoto por segundo no Pinheiros — o volume exato não foi informado pela Sabesp. Segundo a empresa, o cenário melhora conforme avança o número de casas ligadas à rede de esgoto. Foram conectados 650 mil imóveis na bacia do rio desde 2019, quando o tema da despoluição voltou à pauta com aportes do setor privado.

Moradias precárias às margens e ocupações em áreas de várzea historicamente afetadas por enchentes são outro obstáculo. Nem todos os imóveis estão em locais onde é viável fazer a conexão de esgoto.

A SOS Mata Atlântica relatou em estudo recente que a qualidade da água do Pinheiros é péssima em todos os trechos analisados. Mas as medições da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) indicam que houve melhora.

— O rio melhorou bastante, é verdade. Mas ainda está bem longe do que a gente quer — destaca Veronesi.

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