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Desafio do setor de saneamento é levantar R$ 900 bi até 2033

31/03/25

Desafio do setor de saneamento é levantar R$ 900 bi até 2033

Marcelo Theobald / Agência O Globo

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É de quase R$ 900 bilhões o valor necessário para atingir a meta de universalização dos serviços de saneamento básico até 2033, como previsto no marco legal aprovado em 2020, segundo a Abcon, entidade que representa os operadores privados de água e esgoto. Como a maior parte desse montante terá de vir de investidores privados, seja no investimento direto dos operadores, seja no financiamento a essas empresas, mobilizar centenas de bilhões em capital será um desafio. Ainda que os valores tenham que crescer, os dados mais recentes sugerem que esse capital está sendo mobilizado.

No lado do financiamento, o BNDES liberou R$ 3,6 bilhões para o setor no ano passado, enquanto R$ 12,1 bilhões foram levantados em debêntures de infraestrutura para o saneamento — títulos “incentivados”, isentos de Imposto de Renda (IR) para os investidores que aplicam neles —, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O banco de fomento ainda aprovou R$ 3,7 bilhões em novos financiamentos, que serão liberados ao longo dos próximos anos.

Os valores foram menores do que em 2023. Isso mesmo com o recorde nas emissões totais de debêntures de infraestrutura, com R$ 135 bilhões, o dobro do ano anterior. Segundo especialistas, a flutuação está relacionada ao cronograma de leilões de saneamento: após projetos “gigantes”, como as quatro áreas antes operadas pela Cedae no Rio, entraram concessões menores. Daqui para a frente, não faltarão recursos, dizem fontes do mercado e o BNDES.

— Para atingir a meta de universalização (do marco do saneamento), são centenas de bilhões de reais em investimentos até 2033. Então, demanda (dos operadores) por financiamento para investimentos não vai faltar — diz Cristiano Cury, coordenador da Comissão de Renda Fixa da Anbima.

Oferta e demanda em alta
Essa demanda por financiamento significa que as empresas do setor seguirão fazendo ofertas de títulos no mercado. E o apetite dos investidores por esses papéis também tende a seguir elevado, segundo Cury, porque as taxas de juros altas deverão manter as aplicações em renda fixa entre as melhores opções.

Há também fatores estruturais por trás da oferta e da demanda por esses títulos.

Em primeiro lugar, e é algo que passa por todos os setores, está o fim dos juros subsidiados do BNDES, a partir de 2018. Embora o banco de fomento siga atuando no financiamento, como coordenador e como financiador, ao usar taxas iguais às de mercado, permite que atores privados entrem junto.

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Em segundo lugar, no caso específico do saneamento, o marco legal incentiva a participação dos operadores privados, o que dá mais segurança para os financiadores.

Um terceiro fator é a melhoria dos projetos de concessão. O BNDES começou a estruturar projetos de saneamento na virada de 2016 para 2017, e, no governo Jair Bolsonaro, dedicou-se a atuar como uma “fábrica de projetos”, em diversos setores.

Outros ministérios e governos estaduais também se dedicaram à elaboração desses projetos, em parte por causa da queda contínua de espaço nos orçamentos públicos para investimentos diretos. O fato de que esse espaço segue apertado sinaliza para uma continuidade deste processo, com menos chances de retrocessos nos programas de privatização.

— Para os próximos anos, devemos continuar vendo uma participação forte das debêntures de infraestrutura no financiamento de concessões. É um instrumento que se consolidou — diz Camila Dolle, head de Renda Fixa da área de Research da XP Investimentos.

Essa consolidação ganha contornos de ciclo virtuoso, dado o dinamismo do “mercado secundário”, ou seja, a compra e a venda dos títulos incentivados entre investidores, e não apenas nas ofertas iniciais. Ano passado, o mercado secundário de debêntures de infraestrutura movimentou R$ 279 bilhões, segundo a Anbima.

Isso é importante para permitir que haja demanda por ofertas de títulos com prazo mais longo, diz Cury, da Anbima. Isso porque, sem ter para quem vender, o investidor que adquire os papéis na oferta tende a se ver obrigado a mantê-los até o vencimento. Para evitar o risco de ficar muito tempo “preso” no investimento, boa parte dos investidores evita títulos de prazos longos, concentrando a demanda nos papéis de prazo mais curto. O mercado de títulos “usados” resolve esse problema.

— Há seis ou sete anos, o investidor, quando ia comprar um papel (de infraestrutura), tinha que carregar até o fim, se “casar” com ele —diz Cury. — Há anos atrás, era quase impossível trazer a mercado um título de dez anos, hoje em dia, não é um grande problema, porque o investidor sabe que consegue sair no meio do caminho.

Juros são sinal de alerta
Apesar dos fatores estruturais que formam o ciclo virtuoso, a forte elevação dos juros, com a taxa básica Selic chegando no maior nível desde 2016 (14,25% ao ano), se apresenta como um sinal de alerta na atual conjuntura. As taxas elevadas encarecem os financiamentos para as obras das concessões, reduzindo a taxa de retorno para os operadores. Um retorno muito baixo inviabilizaria os investimentos.

Tanto Cury quanto Camila, da XP Investimentos, minimizam os riscos. Concessões adquiridas em leilões recentes têm margem para comportar esses custos mais altos e, nas próximas licitações, a tendência é que isso já seja levado em conta nos lances ofertados.

— Talvez algumas empresas possam postergar, eventualmente, seus leilões e suas captações (de financiamentos). Então alguma redução pode existir, mas vejo que é algo conjuntural — diz Camila.

A diretora de Infraestrutura e Mudança Climática do BNDES, Luciana Costa, demonstra mais preocupação. Se o ciclo de alta de juros demorar muito, poderá afetar o apetite pelos leilões no médio prazo.

Ao mesmo tempo, o banco de fomento tem se dedicado a oferecer condições mais flexíveis nos financiamentos, para mitigar os efeitos das taxas mais elevadas. Uma medida recente é a possibilidade de a empresa concessionária fixar o juro do financiamento com o BNDES na data do leilão, diminuindo o risco de alta entre a licitação e o início das obras. Outra saída é a redução da exigência de garantias, já que elas podem ficar concentradas na própria concessão.

Ainda assim, a fila de projetos a serem concedidos e a necessidade de melhorar a infraestrutura são grandes, o que deverá manter em alta a demanda por financiamentos, segundo Luciana. No caso do saneamento, a executiva ressalta que o cronograma de leilões teve uma pausa nos últimos anos mais recentes, mas voltará com força. A Sabesp, privatizada ano passado, tem planos de investimentos bilionário e haverá novos leilões.

— Este ano, temos um novo ciclo de leilões bem grandes. Tem tudo de infraestrutura ainda por fazer — diz Luciana.

Nova alternativa
Após o impulso em 2020 e 2021, em meio à onda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) em tempos de Covid-19, as finanças sustentáveis já fazem “parte da paisagem”, mas seguem se sofisticando. Depois dos “títulos verdes”, o mercado aposta no desenvolvimento de “títulos azuis”, com foco especial na preservação das águas. Eles representam mais uma opção de financiamento para os investimentos em saneamento básico.

As finanças sustentáveis partem de regras padronizadas, como condições de financiamento, destinação dos recursos e prestação de contas, entre outras. Assim é possível dar “selos” a ofertas de títulos de dívida ou a contratos de empréstimo. Para financiadores e investidores, é uma forma de “rastrear” o destino dos recursos investidos. Para os tomadores dos financiamentos, significa um caminho para garantir demanda por suas operações.

475 ofertas de dívida ESG
Desde 2015 até o início de 2025, houve 475 ofertas de títulos de “dívida ESG” no Brasil, que levantaram R$ 409 bilhões, conforme mapeamento da consultoria britânica ERM para o mercado brasileiro. A emissão de títulos azuis, porém, ainda dá os primeiros passos no país.

Em agosto do ano passado, a Sabesp, operadora que atua no estado de São Paulo e foi recentemente privatizada, levantou R$ 2,5 bilhões em títulos caracterizados como “ESG de uso de recursos sustentáveis e azuis”.

Pioneira no desenvolvimento das finanças sustentáveis, a IFC, braço do Banco Mundial para financiar o setor privado, começou a trabalhar na criação dos “títulos azuis” em 2020. De lá para cá, já concedeu US$ 2 bilhões em empréstimos ou aquisição de títulos que apoiem “iniciativas como abastecimento de água e saneamento, reciclagem e combate à poluição marinha por plásticos”.

A IFC vem trabalhando na definição de regras e padrões para classificar os títulos e os empréstimos como “azuis”. Em 2022, publicou o documento Diretrizes para Financiamento Azul, para “fornecer orientação sobre critérios de elegibilidade”, segundo nota enviada ao GLOBO.

Respaldo a operações
Padrões e diretrizes para definir quais títulos e contratos de empréstimos podem ser classificados como “verdes” ou “azuis” são fundamentais para as finanças sustentáveis. Dessa forma, evita-se dar o “selo” a operações que, na verdade, não impactam positivamente o ambiente. E é também uma forma de destacar setores, como o de saneamento, cujos investimentos têm resultados positivos.

Embora as captações com “títulos azuis” ainda sejam incipientes, a IFC participou em duas outras operações com empresas brasileiras, mas usando crédito. Em 2023, concedeu um “empréstimo azul” de R$ 260 milhões para a Sanasa, estatal da Prefeitura de Campinas (SP) que opera os serviços de água e esgoto na cidade paulista. Em 2022, a Sabesp tomou R$ 760 milhões seguindo as regras ligadas à sustentabilidade das águas, para financiar parte do Programa Novo Rio Pinheiros.

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