Reuso da água é principal saída para escassez hídrica mundial, apontam especialistas
01/10/24
Vitor Bermudesi/Mosaico Imagem
As mudanças climáticas em curso já alteram os regimes de chuvas e afetam os modelos meteorológicos usados até aqui. Se está mais difícil prever inundações e secas, entra em cena uma adaptação viável: a economia circular de água. A prática desponta como uma das saídas mais promissoras para garantir a segurança hídrica necessária à vida humana no planeta.
— No Brasil, já temos tecnologia suficiente para aproveitar a água de reuso, com técnicas que vão da utilização do lodo do esgoto na produção de fertilizantes e geração de energia elétrica até filtragem de maneira eficiente para obter água potável — afirma Marcel Costa Sanches, presidente nacional da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária ambiental (Abes).— As iniciativas nesse sentido, porém, são nichos isolados de excelência.
Aquapolo Ambiental
Ele cita como exemplo bem-sucedido o Aquapolo Ambiental, maior empreendimento de produção de água de reuso da América do Sul, que em dez anos forneceu 108 milhões de metros cúbicos para processos industriais no ABC Paulista e no polo petroquímico de Capuava.
Em Franca, no interior de São Paulo, avança o projeto piloto da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que transforma rejeitos sanitários em combustível para carros. Com aporte de R$ 7 milhões, desde o ano passado a estação processa 550 litros de esgoto por segundo, abastecendo 40 veículos leves da frota da Sabesp com a produção diária de biogás a partir de resíduos.
Quando se considera o consumo humano, porém, um dos entraves para o avanço no uso da água reciclada, de acordo com Sanches, é cultural, já que a população precisa ser convencida de que é possível eliminar 100% dos contaminantes.
— Precisamos de políticas públicas, tanto na regulação dos processos quanto na publicidade, esclarecendo as pessoas que a transformação em água limpa é segura.
Aumento de conflitos
Uma pesquisa da consultoria GlobeScan, em parceria com o Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês), revelou que 81% dos brasileiros estão muito preocupados com a escassez de água potável, percentual acima da média mundial, de 58%.
— Temos que aproveitar essa preocupação para fazer chegar informações de qualidade ao público, sobre os benefícios da reciclagem de água — diz Marcio José Silva, CEO do Aquapolo Ambiental.
O consenso entre pesquisadores é que os efeitos da crise climática tendem a aumentar a escassez hídrica nos próximos anos.
O mais recente levantamento do MapBiomas Água revela que, em 2023, a cobertura de água no território brasileiro ficou 1,5% abaixo da média histórica.
A agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para questões da água (UN-Water) estipula que o acesso o recurso e ao saneamento é um direito humano. Porém, cerca de 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso.
— A escassez de água tende a provocar conflitos — lembra o presidente da Abes.
Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR) mapeou as desavenças provocadas pelo estresse hídrico, descobrindo que houve aumento de 481% no número de conflitos por água no Brasil entre 2005 e 2021.
O pico no número de casos ocorreu em 2019, na ocasião do rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, que, além de 289 mortes e centenas de desabrigados, causou falta água para a população.
— O exemplo clássico de conflito é quando um produtor rural quer acessar a água para uso em sua plantação, mas o manancial é necessário para abastecimento urbano — explica Gesmar Rosa dos Santos, um dos autores do estudo. — Para minimizar o problema, precisamos que as agências reguladoras façam uma boa gestão e fiscalização de outorgas de poços.
Dessalinização
Outra saída que vem sendo adotada para aumentar a segurança hídrica, embora mais comum em países com alta escassez de água, como Arábia Saudita e Israel, é a dessalinização da água do mar. A tecnologia está presente no Brasil, mas tem alto custo.
Segundo a Water Research Foundation, fica até dez vezes mais caro (US$ 3) produzir água limpa por meio de dessalinização, na comparação com o tratamento a partir do esgoto sanitário (US$ 0,30), em preços estimados por metro cúbico, na média. O recurso está sendo explorado no Ceará e no Maranhão.
A maior planta no território brasileiro é a usina de dessalinização da ArcelorMittal na Região Metropolitana de Vitória (ES), com capacidade para produzir 500 m³ por hora (140 litros por segundo), que usa tecnologias de membranas e osmose reversa. O projeto está em operação desde setembro de 2021.
— Um facilitador foi o fato de que, desde 1983, usamos água do mar, sem dessalinizar, em processos de troca indireta de calor. Assim, já tínhamos a infraestrutura de canal e estação de captação prontas — diz Fabricio Assis, diretor de Produção de Gusa e Energia na ArcelorMittal Tubarão. — Na refrigeração dos equipamentos de produção de aço, 96% da água que usamos vêm do mar, e somente 4% são provenientes do Rio Santa Maria da Vitória.