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São Luís completa 413 anos com saneamento básico ainda sendo privilégio

09/09/25

São Luís completa 413 anos com saneamento básico ainda sendo privilégio

Alberto Campos

Nesta segunda-feira (8), São Luís completa 413 anos mantendo mais da metade da população sem acesso a saneamento básico completo. Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30 e liderar discussões climáticas globais, a capital maranhense mantém como privilégio serviços essenciais que já deveriam ser universalizados: milhares ainda não têm água na torneira, quase meio milhão convive sem rede de esgoto, centenas de domicílios permanecem vulneráveis a inundações, e a coleta de lixo não alcança regularmente todos os bairros.

Segundo o relatório do ranking nacional de saneamento básico, a capital maranhense ocupa a posição 91 dos 100 municípios mais populosos do Brasil, o que a coloca entre os 20 municípios com piores indicadores de saneamento que envolvem abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto. Entre as capitais do Norte e Nordeste, São Luís ocupa posição intermediária, mas ainda distante de cidades como Fortaleza e Recife, que avançaram mais na universalização dos serviços.

A Lei nº 14.026/2020, conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento, determina a universalização dos serviços até 2033: 99% da população deve ter acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto. Com mais de 1 milhão de habitantes e pouco mais de oito anos para cumprir as metas, São Luís tem pela frente um desafio de grande escala.

Dados de 2023 do Painel Saneamento Básico, do Instituto Trata Brasil, mostram que 265.311 ludovicenses não têm acesso à água e 464.010 não possuem coleta de esgoto. Entre as capitais brasileiras, São Luís está em antepenúltima posição no tratamento de esgoto, com apenas 15,89%, à frente apenas de Porto Velho (12,18%) e Macapá (14,42%). O volume de esgoto despejado sem tratamento na natureza equivale a mais de 1.400 piscinas olímpicas anuais contaminando rios e solo da capital.

CONTEXTO LEGAL X REALIDADE

Saneamento básico é um conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais que garantem a saúde pública e a qualidade de vida da população, abrangendo quatro eixos: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, e drenagem e manejo das águas pluviais. A Lei nº 11.445/2007 determina que municípios formulem Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB).

São Luís possui o Plano de Saneamento para a Cidade de São Luís (PSCSL), criado em 2017 na gestão do então prefeito Edivaldo Holanda Júnior. Para o professor Alessandro Resende, mestre em Meio Ambiente, Águas e Saneamento da Universidade Ceuma, o plano é insuficiente. “O plano é um pouco idealista em relação ao que poderia ser, mas não é muito específico. Ele repete algumas questões da nossa política de saneamento, mas ainda é muito simples e não abrange todo o cenário atual”, diz.

A falta de um planejamento e investimento adequado pode ser observado na luta diária dos moradores de alguns bairros da capital. A crise hídrica, por exemplo, não se restringe às favelas e comunidades urbanas: na Península da Ponta D’areia, área do metro quadrado mais caro da cidade, a distribuição de água em apenas poucos dias do mês obriga os moradores da região a contratarem serviços de carro-pipa.

VOZES DOS TERRITÓRIOS

Alberto Campos, de 41 anos, mora no bairro do Coroadinho há dois anos. Segundo ele, a região carece de obras de infraestrutura básica. Os próprios moradores precisam custear melhorias com recursos próprios, como contratar carros-pipa para levar água às residências. Campos denuncia que não há sistema de esgoto efetivo na área e que a exposição à água contaminada favorece a proliferação de pragas, colocando em risco diário a saúde dos moradores. “Houve um caso de uma moradora antiga que caiu numa vala e contraiu uma bactéria. Ela acabou perdendo um dedo do pé. Não podemos deixar nossas crianças brincarem na rua por conta desses perigos, é uma insegurança muito grande que temos”.

Durante o período chuvoso, segundo Campos, o cenário se agrava pela ausência de drenagem eficaz. O acúmulo de água espalha dejetos, que frequentemente invadem as residências, causando mau cheiro e aumentando o risco de contaminação e doenças.

Campos conta que, mesmo após denunciar o problema em vídeos, não houve mobilização da Caema (Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão) nem da Semosp (Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos). “Certa vez, tivemos uma resposta em uma inauguração da prefeitura. Consegui conversar com o secretário de Obras, mas ele disse que talvez nunca iremos obter uma obra na rua, pois ela fica localizada no leito do rio e existem casas construídas de forma irregular na área. Porém, o engenheiro que mandaram diz que teria como realizar a obra. Falta vontade por parte do órgão”, lamenta.

A realidade de Campos é semelhante na região do Itaqui-Bacanga. Júlio Pinheiro, de 52 anos, presidente da Acib (Associação Comunitária Itaqui-Bacanga), relata que acompanha o sofrimento de muitas famílias. “Em algumas áreas, a situação é extremamente precária: não tem água encanada, não tem rede de esgoto, e basta uma chuva pra rua alagar. Isso compromete diretamente a saúde das crianças, o preparo dos alimentos, a segurança dentro das casas e até a frequência das crianças na escola. A gente vê muitos casos de doenças de veiculação hídrica. Já em outras partes, onde existe algum nível de saneamento, ainda assim há muitos problemas por falta de manutenção e regularidade no serviço”.

Assim como o morador do Coroadinho, Pinheiro diz que já precisou usar recursos próprios, junto com outros moradores, para construir fossas, abrir poços, comprar cisternas ou instalar mangueiras improvisadas. “Tudo isso feito por conta própria, sem apoio algum. E isso pesa demais no bolso de quem já vive com pouco. Tem gente que precisa escolher entre pagar uma conta de luz ou comprar água. Quem não tem como arcar com esses custos, muitas vezes depende da solidariedade dos vizinhos”.

No período chuvoso, segundo Júlio Pinheiro, o problema se agrava: “Em vários bairros, as ruas viram verdadeiros rios, e o pior é que essa água suja acaba invadindo as casas. Em locais onde há rede de esgoto, o sistema geralmente não dá conta e o esgoto acaba voltando para dentro das residências. Isso gera uma mistura perigosa de esgoto, lixo e água de chuva, contaminando tudo. As consequências são sérias, principalmente para as crianças: aumentam os casos de doenças de pele, infecções e até problemas respiratórios. E o pior é que isso se repete todo ano, sem uma solução definitiva”, denuncia.

O presidente da Acib afirma que é difícil priorizar uma ação para resolver a situação. Embora representantes do poder público e da Caema já tenham visitado a região prometendo melhorias, muitos serviços iniciados acabam incompletos ou mal executados. “Outras comunidades seguem até hoje esperando que as obras comecem. Infelizmente, o que mais vemos por aqui são promessas que não saem do papel. Enquanto isso, a população continua sofrendo com os mesmos problemas de sempre”, condena.

No Polo Cidade Operária, Natanael Everton, de 40 anos, diz que a atual gestão municipal tem executado obras no entorno, mas que não atendem toda a comunidade. A maior ausência de saneamento básico, diz ele, é na Unidade 105 do conjunto habitacional. “Durante anos, prefeitos deixaram de investir em drenagem e manutenção de galerias. Hoje há uma preocupação maior com o serviço, mas os transtornos continuam: ruas alagam, galerias seguem entupidas e o problema se repete a cada inverno. É uma realidade de sofrimento que persiste há décadas”, afirma.

Everton também critica a atuação da Caema. Segundo ele, a empresa costuma deixar obras inacabadas: “É um caos independente de qualquer situação. Ela [a Caema] não corresponde à expectativa da comunidade e deixa muito a desejar”, ressalta.

EX-PRESIDENTE DA CAEMA, AGORA PREFEITO

A situação ganha contornos peculiares considerando que o atual prefeito de São Luís, Eduardo Braide (PSD), eleito em 2020 e reeleito em 2024, presidiu a Caema entre janeiro de 2005 e março de 2006, período em que a cidade já enfrentava déficits similares de saneamento. Na época, conforme registros da própria companhia, São Luís convivia com rodízio de água e esgoto a céu aberto —problemas que, duas décadas depois, ainda não foram completamente resolvidos.

A situação coloca Braide numa posição única: ao mesmo tempo em que conhece intimamente as limitações operacionais da Caema como ex-presidente da empresa, como prefeito, ele tem a responsabilidade de fiscalizar e cobrar melhor desempenho da mesma companhia por meio do contrato de concessão municipal. Isso ocorre porque, enquanto a Caema executa os serviços de água e esgoto na capital, cabe ao município, como poder concedente, regular, fiscalizar e exigir o cumprimento das metas estabelecidas.

Nas eleições de 2020, quando foi eleito pela primeira vez para o comando do Palácio de La Ravardière, declarações de Eduardo Braide sobre o período em que ele presidiu a Caema foram questionadas por dados oficiais. Segundo verificação feita pela agência Lupa, as afirmações do então candidato a prefeito, de que quando controlou a companha “não tinha poluição nas praias” e que “o saneamento funcionava melhor”, foram classificadas como falsas.

A verificação foi feita com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, que mostram que os indicadores de coleta e tratamento de esgoto em São Luís eram piores durante a gestão de Braide (2005-2006). O índice de tratamento de esgoto, por exemplo, era de apenas 12,91% em 2005 e 18,67% em 2006, contra 34,55% em 2018. Além disso, estudo realizado pela pesquisadora Viviane da Silva, que conduziu um estudo publicado como dissertação do mestrado em Saúde e Ambiente na Ufma (Universidade Federal do Maranhão), já identificava em 2005 elevados níveis de coliformes fecais nas praias da Ponta D’Areia e Calhau.

Na época da Caema sob Braide, sequer havia divulgação periódica dos laudos de balneabilidade das praias de São Luís ― a publicação só começou a ser feita pela Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais) em 2012, após uma decisão judicial.

O prefeito de São Luís e a gestão municipal foram procurados pelo Atual7 por e-mail, nos dias 1º e 4 de setembro, para comentar sobre a revisão do Plano Municipal de Saneamento Básico prometida em campanha, o cronograma das obras de esgotamento sanitário, as ações já entregues na capital, as medidas do Programa Praia Limpa e a utilização do Fundo Municipal de Saneamento, mas não responderam até a publicação desta reportagem.”

Solicitada a se posicionar sobre dados do Instituto Trata Brasil, a cobertura atual de água e esgoto em São Luís, os investimentos realizados nos últimos anos, o andamento das obras do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e a perspectiva para cumprimento das metas de 2033, a Caema respondeu que a solicitação deveria ser feita pelo e-SIC, o serviço eletrônico de informação ao Cidadão.

A reportagem, então, insistiu com a empresa para que se posicionasse sobre o resultado do levantamento que coloca São Luís entre as 20 piores cidades do país em saneamento básico.

Em nova resposta, a Caema não abordou diretamente a posição de São Luís no ranking nacional, limitando-se a informar sobre investimentos realizados e previstos. “Em São Luís, estão em fase de conclusão três novas unidades na Avenida dos Africanos, que possibilitarão a despoluição integral de praias da capital. Além disso, R$ 500 milhões foram aprovados pelo Novo PAC para reforçar o saneamento da bacia do Rio Anil. Também já foram concluídas intervenções estruturantes nas bacias do Anil, São Francisco e Vinhais, com mais de R$ 115 milhões investidos, enquanto seguem em execução obras no Vinhais (R$ 21 milhões) e no Anil (R$ 45 milhões)”, disse.

FALTA DE INVESTIMENTOS

Em entrevista ao Atual7, a presidente executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, afirma que um dos fatores para a posição atual da capital maranhense no ranking nacional é a falta de investimento adequado aos serviços de saneamento básico. Segundo ela, o município possui um investimento muito abaixo da média. “São Luís investiu R$ 19,00 por ano por habitante, quando a média de investimento no Brasil é de R$ 126,00 — enquanto nós deveríamos estar investindo R$ 223,00 por ano por habitante”, afirma.

Pretto acrescenta que seria necessário um intenso investimento para atingir a meta estabelecida para 2033. “Nesse nível de investimento, é muito difícil pensar numa universalização até o ano de 2033, porque faltam oito anos para o cumprimento das metas do marco. Existe um caminho bastante longo, principalmente no tratamento de esgoto, que ainda é de apenas 15%. E para que isso possa evoluir, é necessário, então, investimentos pesados em saneamento básico e a priorização desse tema na agenda pública local”, exorta.

IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS

Os problemas de saneamento básico em São Luís estão ligados ao alto crescimento urbano e à falta de investimento adequado. Para o professor Alessandro Resende, mestre em Meio Ambiente, Águas e Saneamento da Universidade Ceuma, historicamente a maior parte do investimento se concentra em água, deixando esgoto e drenagem em segundo plano, embora sejam igualmente essenciais.

Para ele, a situação impacta diretamente a saúde coletiva. “A falta de sistema adequado leva à captação de água de baixa qualidade, muitas vezes contaminada com coliformes fecais e outros patógenos. Além disso, sem coleta e tratamento de esgoto, o descarte irregular expõe a população a doenças. O impacto é direto na saúde coletiva, aumentando internações e reduzindo a qualidade de vida”, afirma.

Além dos impactos na saúde da população, a situação também causa degradação ambiental. O despejo de esgoto não tratado nos rios que cortam São Luís, por exemplo, afeta ecossistemas e provocam consequências que se estendem ao litoral: a balneabilidade das praias da cidade permanece em estado crítico na maior parte do ano, imprópria para banho devido à contaminação por esgoto não tratado.

“A carga orgânica reduz o oxigênio da água, matando peixes e comprometendo a biodiversidade. Também contamina o solo e aquíferos subterrâneos. Em áreas sem pavimentação, durante as chuvas o esgoto das valas se infiltra no solo e agrava a contaminação. O alagamento carrega esgoto e resíduos sólidos, favorecendo a proliferação de vetores como ratos, aumentando casos de leptospirose, diarreias e outras doenças”, explica o professor.

Questionado se São Luís conseguirá alcançar as metas de 2033 do Marco Legal do Saneamento, Resende considera a meta ambiciosa. “Na prática, acredito que não será cumprida no prazo. Sem investimentos massivos, São Luís manterá baixos índices de atendimento em água e esgoto, ampliando desigualdades, doenças e baixa qualidade de vida. A população cresce, mas o investimento não acompanha. Assim, mais pessoas ficarão sem acesso ao saneamento”, afirma.

Para o especialista, investimentos efetivos devem ser simultâneos em água e esgoto. “De nada adianta ampliar o abastecimento sem ampliar também a coleta e o tratamento do esgoto gerado. Outro ponto crítico é garantir que a população faça a ligação domiciliar às redes já existentes. Muitas vezes, a obra pública é feita, mas os moradores não se conectam por falta de informação ou recursos, tornando o investimento ineficaz. Também é preciso fortalecer a gestão de resíduos sólidos e drenagem urbana, que ainda são muito deficientes e agravam enchentes e alagamentos”, conclui.

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