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Saneamento e saúde: relação invisível, mas fundamental

08/04/24

Saneamento e saúde: relação invisível, mas fundamental

CPFL/Divulgação

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Uma reflexão escrita de forma colaborativa por especialistas do Instituto Trata Brasil, do Grupo Aegea, do Pacto Global da ONU e da Faculdade de Saúde Pública da USP*

​Um país onde quase metade das moradias convive diariamente com algum tipo de privação no saneamento é uma nação completamente vulnerável. A cada morte registrada no Brasil por doenças causadas pela falta de saneamento básico, o sentimento é de que a desigualdade venceu. Mas esse cenário, resultado perverso do baixo patamar de investimentos mantido por décadas, leva a um senso de urgência calibrado, em última instância, de urgência da atenção à vida. Aí está o relógio diferente no qual verdadeiramente corre o nosso tempo. Há coisas que não podem mais esperar e a universalização dos serviços de água e esgoto é uma delas. Quem trabalha com saneamento respira saúde.

​A tubulação que passa debaixo da terra é infraestrutura elementar, que leva água para a torneira, faz coleta de esgoto, torna coisas simples do dia a dia – como um banho – possíveis. De tão fundamental, se torna “invisível”. De tão “invisível”, por décadas se tornou politicamente secundária. Na década de ouro do saneamento, porém, não há mais porque se discutir a prioridade e a pressa para a transformação dessa realidade.

​Diversos estudos comprovam que a falta de acesso a serviços de saneamento básico repercute impiedosamente nos índices de saúde do país e na qualidade de vida da população. Em 2022, a ausência de saneamento básico sobrecarregava o sistema de saúde com mais de 191,4 mil internações por doenças de veiculação hídrica, incluindo leptospirose, cólera, hepatite A e febre tifoide. Essa demanda onerou o Sistema Único de Saúde do país em cerca de R$ 87,6 milhões, valor que poderia ter sido destinado ao tratamento de doenças mais complexas, mas foi gasto com os efeitos do descaso histórico com o saneamento. A maior incidência dessas doenças está na região Norte, cuja infraestrutura do setor é ainda mais escassa e precária, e a menor fica na região Sudeste, com as melhores condições de acesso aos serviços – situação sempre mais agravada para as populações vulneráveis, já que a cobertura de rede costuma chegar primeiro às áreas economicamente mais favorecidas.

​Há poucos anos convivemos com a pandemia, e, com ela, vieram estudos buscando entender melhor as variáveis que tornavam as populações mais vulneráveis à Covid.

Pesquisas como as realizadas pelo Instituto Trata Brasil (ITB) e pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), além de outros levantamentos pelo mundo, confirmaram que, quanto mais amplo o acesso à água tratada e à rede de esgoto, menor era a taxa de incidência da doença. Serviços de saneamento têm uma relação direta com a saúde, influenciada por marcadores diversos que vão desde segurança alimentar a condições para melhorar o aproveitamento escolar – todos com algum impacto do saneamento.

Falta de água tratada e esgotamento sanitário é um problema grave de saúde pública, que, quando fragilizada, impacta também a produtividade e a geração de renda das famílias.

​O Instituto Trata Brasil apurou que, apenas em 2021, o país registrou 43,3 milhões de casos de pessoas afastadas de suas atividades cotidianas por causa de doenças de veiculação hídrica. Ou seja, esgoto a céu aberto e moradias sem banheiros ou água potável são ambientes com risco potencializado de contaminação por viroses, verminoses, bactérias, doenças parasitárias, diarreias agudas – uma das principais causas da mortalidade infantil no mundo –, e ainda ferem a dignidade humana e as condições básicas de trabalho e cidadania.

​Agora, frente a um país adoecido e em luto por cada vida perdida pela dengue, lança-se mais uma vez um olhar sobre o quão decisiva pode ser a contribuição do saneamento básico para evitar novas catástrofes de saúde no país. Até mesmo porque o preço de um setor estacionado em desenvolvimento é alto demais – uma ameaça a muitas vidas.

De acordo com o governo federal, de 2010 a 2022, um intervalo de 12 anos, o Brasil avançou apenas 9,8% em cobertura da rede de esgoto. Isso significa que os investimentos em esgotamento sanitário incluíram, anualmente – no período imediatamente anterior ao Marco Legal –, apenas 0,8% da população. São cerca de 1,5 milhão de habitantes – algo como uma Recife ou uma Porto Alegre em um contingente de 203 milhões. Uma gota de vida em um oceano de riscos.

​Juntos, poder público e setor privado vêm tomando decisões com o objetivo de mudar de vez essa realidade. Alguns impactos positivos já podem ser vistos de norte a sul do Brasil, segundo o Painel do Saneamento do Instituto Trata Brasil, que usa também dados do IBGE e do governo federal.

​De acordo com o Ranking do Saneamento 2024, Maringá, no Paraná, tem os melhores indicadores de universalização do saneamento no país. A cidade não contabilizou, em 2022 (ano-referência do levantamento), nenhum óbito por doença de veiculação hídrica, nenhum caso de internação por esquistossomose, malária ou febre amarela; apresentou um único caso de internação por leptospirose e apenas 32 casos de internação por diarreia. Outro dado significativo é a queda de 75% nas internações por doenças de veiculação hídrica em Campo Grande (2010-2022), que passou sua cobertura de esgoto de 30% para 88%.

​No Rio Grande do Sul, um dos estados cujos indicadores de saneamento contrariam seu nível de desenvolvimento, trabalha para se igualar às estatísticas da Região Sul. O Rio Grande do Sul ainda é o estado com a maior parcela populacional sem água tratada:

12,3%, contra 10,4% em Santa Catarina e 3,7% no Paraná, segundo os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano-base 2022, coletados no Painel do Saneamento do Instituto Trata Brasil. O volume de esgoto não tratado também é maior no estado gaúcho: são 449 piscinas olímpicas de dejetos in natura descartadas na natureza por dia, contra 340 em SC e 154 no PR. O RS também tem o maior volume de água perdida: 42% da água potável produzida nos sistemas de distribuição, enquanto nos outros dois estados sulistas o índice de água perdida não faturada é de 35,2% (SC) e 31,8% (PR). E o número mais triste, que reflete bem uma realidade difícil: 17 mil moradias sem banheiro, mais grave que no PR (11,2 mil) e SC (5,7 mil).

​Para falar de saúde e água potável, é preciso falar de esgoto. Afinal, os rios que recebem dejetos, tratados ou não, passam por um longo processamento até se transformarem na água que bebemos. Segundo o Instituto Trata Brasil, há uma catástrofe ambiental por dia no país: a cada 24 horas são lançados em córregos, solo e mares um volume de esgoto in natura equivalente a 5,2 mil piscinas olímpicas. O alerta é válido para entender que existe um forte movimento na contramão desses fatos. O ciclo que começa na produção de água e termina com a dispersão de efluentes na natureza pode ser revertido em saúde quando o esgoto é transformado em água segura para retornar ao ecossistema, interrompendo a cadeia de contaminação humana.

​Pensarmos na saúde que queremos para as próximas gerações passa por acelerar e ampliar o saneamento básico no país. Negligenciado por décadas, água e esgoto são, agora, cartas valiosas em um ano eleitoral. O desafio da oferta adequada de água potável e rede de coleta e tratamento de esgoto está para a saúde assim como os hospitais estão para os pacientes. Sucateados, são venenos. Modernos e amparados na qualidade do serviço, remédios ou vacinas para a maioria das doenças.

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