Seguros paramétricos e reúso de água ganham força como instrumentos de adaptação no Brasil
25/11/25

Divulgação
A intensificação dos eventos climáticos extremos no Brasil — sobretudo secas prolongadas — está pressionando governos, empresas e seguradoras a buscarem instrumentos financeiros e soluções de adaptação capazes de reduzir perdas socioeconômicas. É nesse contexto que o professor Gesner Oliveira, da Fundação Getulio Vargas (FGV), conduz uma pesquisa sobre seguros inovadores, como os seguros paramétricos, e o reúso de água como estratégias de enfrentamento às mudanças climáticas.
Segundo ele, o estudo nasce da combinação entre urgência climática e lacunas relevantes de conhecimento. “A pesquisa foi motivada pela intensificação e frequência dos extremos climáticos, como as secas, que causam grandes perdas socioeconômicas. A escassez de estudos sobre o tema no Brasil e na América Latina também impulsionou o trabalho”, afirma. Os principais achados mostram que o reúso de água é “uma estratégia adaptativa crucial, alinhada à economia circular para a segurança hídrica”, enquanto os seguros paramétricos se mostram “instrumentos financeiros promissores para a transferência de risco”. Ainda assim, especialistas apontaram barreiras importantes para sua adoção.
Gesner comenta que o reúso de água tem um potencial real muito grande no Brasil, ao reduzir a pressão sobre mananciais, favorecer a economia circular e manter atividades produtivas mesmo durante secas. Porém, ainda enfrenta dificuldades. “As principais barreiras incluem os custos elevados de tratamento e transporte, a necessidade de um arcabouço normativo mais robusto, desafios de percepção pública, e a carência de investimentos e planejamento adequado”, explica, com destaque para os desafios no uso agrícola.
O mercado segurador pode desempenhar um papel adicional nesse campo, de acordo com o especialista. “O estudo sugere que o reúso de água pode reduzir a vulnerabilidade de um município, diminuindo a severidade esperada de sinistros e, consequentemente, os prêmios de seguro”, afirma Gesner. Ele também aponta espaço para produtos que cubram riscos de novas tecnologias ou investimentos em infraestrutura hídrica.
Para destravar tanto os seguros inovadores quanto o reúso de água, seria necessário um pacote amplo de políticas públicas. No caso dos seguros climáticos, Gesner destaca simplificação regulatória, incentivos governamentais (subvenções, fundos públicos), apoio técnico na estruturação de produtos e a promoção dos seguros como política pública. Para o reúso, ele aponta a necessidade de “um arcabouço normativo claro, mecanismos de viabilização econômica (incentivos, subsídios), investimentos em infraestrutura e planejamento de longo prazo, além de campanhas de educação e divulgação”.
O estudo é voltado principalmente para gestores públicos e o setor segurador. Ele acrescenta que as conclusões também têm implicações para o agronegócio e a indústria, devido à dependência hídrica. A proposta é subsidiar a criação de um manual de boas práticas para os municípios, fortalecendo sua interlocução com o setor segurador.
Papel dos governos
A pesquisa indica que governos terão papel determinante para destravar a adoção desses instrumentos financeiros. “Os especialistas entrevistados na pesquisa indicaram que incentivos governamentais, como a subvenção do prêmio do seguro, a criação de fundos públicos para cofinanciamento e a emissão de títulos com benefícios fiscais, são essenciais”, afirma Gesner. Isso é especialmente relevante para municípios menores, que têm menor capacidade técnica e financeira.
O Brasil ainda está na fase inicial da adoção de seguros climáticos — como seguro catástrofe, agrícolas parametrizados ou microsseguros — e isso não é por acaso. Gerner contextualiza que o tema é incipiente devido a uma série de desafios, incluindo a falta de apetite do mercado, a complexidade na modelagem de riscos, barreiras regulatórias e tributárias, e o desconhecimento geral sobre o assunto, bem como a falta de uma cultura de prevenção. Além disso, muitos municípios ainda carecem de planejamento climático, dados adequados e equipes especializadas, diz.
A adoção em larga escala de seguros inovadores e do reúso de água traria benefícios tanto econômicos quanto ambientais. “Os impactos econômicos incluiriam a redução de perdas financeiras pós-desastres, estabilidade econômica regional, atração de investimentos devido à menor percepção de risco, e otimização dos custos de seguro”, explica Gesner.
No campo ambiental, ele destaca a conservação de recursos hídricos, a melhoria da qualidade da água ao reduzir o descarte de efluentes, uma adaptação mais eficaz à escassez hídrica e a promoção da economia circular. Juntos, esses efeitos ampliam a segurança hídrica e a resiliência das regiões.
Seguros como mecanismos de resiliência
Para o pesquisador, há grande espaço para que o mercado segurador contribua com a adaptação climática. “O mercado de seguros pode aumentar a resiliência climática transferindo riscos financeiros por meio de seguros paramétricos, o que permite uma recuperação mais rápida após eventos extremos”, diz. Esses produtos também podem incentivar boas práticas, como investimentos em infraestrutura hídrica. “O mercado pode desenvolver produtos personalizados e promover a conscientização sobre a gestão de riscos e prevenção”, acrescenta.
Entre todas as modalidades estudadas, os seguros paramétricos aparecem como os mais promissores. “Eles são considerados úteis para promover a resiliência contra extremos climáticos devido à sua capacidade de oferecer pagamentos rápidos e transparentes baseados em índices objetivos”, afirma. Esse modelo também permite incorporar métricas como níveis de reúso de água, criando mecanismos diretos de incentivo.
Apesar do potencial, o setor privado ainda avança com cautela. “A pesquisa indica que, embora o setor privado reconheça o potencial dos seguros paramétricos, ainda existem barreiras significativas que limitam o investimento em larga escala”, diz Gesner. Entre elas, estão a complexidade da modelagem de riscos, a falta de dados históricos padronizados e obstáculos regulatórios e tributários.
Os dois temas dialogam diretamente com a agenda de financiamento climático e com a COP30, que aconteceu em Belém nas últimas duas semanas. “Os seguros paramétricos representam mecanismos inovadores de financiamento de risco, e o reúso de água é uma solução prática de economia circular para a segurança hídrica”, afirma Gesner. Ele avalia que a combinação dessas soluções promove resiliência local — um tema crescente nas negociações globais.
Um modelo conceitual que integra seguros inovadores e reúso de água deve incluir metodologias para quantificar benefícios da adaptação, políticas públicas eficazes e a colaboração entre setores.
