top of page

Tragédia climática no RS expõe falta de investimentos e outros desafios do saneamento básico

24/05/24

Tragédia climática no RS expõe falta de investimentos e outros desafios do saneamento básico

Anselmo Cunha / AFP

Conforme as enchentes começam a baixar em diversos municípios do Rio Grande do Sul, um cenário de lama, lixo e destruição dos sistemas de saneamento passa a fazer parte do da vida nas regiões atingidas.

​Pela primeira vez em vinte dias, os níveis do Guaíba ficaram abaixo dos quatro metros na região de Porto Alegre e, segundo a MetSul Meteorologia, outros cursos d’água do estado também seguem tendência de baixa. É o caso do Rio dos Sinos, do Gravataí e do Jacuí.

​A notícia é boa, mas revela que, entre os desafios da reconstrução, está a necessidade de redes de abastecimento, tratamento e coleta de esgoto e água mais resilientes às consequências da crise climática.

​“A emergência climática mudou tudo”, afirmou o especialista em saneamento e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, ao podcast Repórter SUS.

​Ele explicou que os sistemas atuais foram projetados e construídos para uma realidade em que grandes eventos meteorológicos aconteciam com maior intervalo de tempo. Segundo o professor, nenhuma cidade brasileira estaria preparada para os volumes de chuva observados no RS.

​"A discussão dos projetos de engenharia terá que ser completamente revisitada diante da realidade concreta. O saneamento tem limite e ele tem que operar dentro de determinadas condições e previsões. Só que a previsibilidade está mais difícil. Se não discutirmos o problema em escala adequada, um problema rebate no outro, a causa vira efeito e confunde a cabeça de todo o mundo.”

​Problema ampliado

​Nas cidades gaúchas, se multiplicam relatos sobre o mau cheiro das águas e da lama. As consequências à saúde da população já começam a aparecer. Nesta semana, duas pessoas morreram por leptospirose, doença infecciosa, transmitida pela urina de animais e muito comum em situações de enchentes.

​O professor Alexandre Pessoa afirma que, para evitar situações limite como essa no futuro, é preciso trabalhar em escalas que não envolvem apenas tratamento e coleta do esgoto. As questões ambientais e climáticas também precisam ser incluídas no debate.

​“A microescala é o saneamento, que é a água de abastecimento e a drenagem. Na macro escala, temos a emergência climática e na meso escala, a proteção da bacia hidrográfica. Saneamento rural e urbano é medida de adaptação.”

​Embora mais de 84% da população do RS tenha acesso a esgotamento sanitário, seja por uma rede coletora ou fossa séptica, o estado já tinha 1,7 milhão de pessoas sem esse recurso antes do desastre atual. As informações são do Censo 2022.

​Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicam que o índice de atendimento total de esgoto entre os municípios do estado é de 35%.

​A catástrofe também revelou a falta de investimentos no fortalecimento dessa estrutura.

Um estudo da organização Trata Brasil aponta que o RS trata pouco mais de 26% do esgoto gerado no território e evolui pouco ano a ano.

​Na conversa com o Repórter SUS, Alexandre Pessoa chamou atenção ainda para o reforço das desigualdades, promovido pelos gargalos no saneamento. Ele ressaltou também que ataques e desmontes na legislação ambiental podem colocar qualquer esforço a perder.

​“Se um governador pega uma legislação ambiental e promove mais de 400 alterações, ele está contribuindo para que mortes sejam evitáveis ou está destruindo a capacidade ecológica das bacias hidrográficas? Quando se violenta os corpos hídricos e a sua bacia hidrográfica, você violenta corpos humanos.”

​Cerca de um mês antes das chuvas catastróficas começarem a atingir o o Rio Grande do Sul, o Grupo de Trabalho Águas & Saneamento, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou uma Nota Técnica ressaltando a urgência de retomar a implementação do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) no Brasil.

​O documento foi encaminhado ao Ministério da Saúde (MS) para subsidiar os debates sobre o tema. No texto, especialistas apontam recomendações para implementação do programa, com participação social , previsão orçamentária e atenção específica a populações mais vulnerabilizadas.

bottom of page